Tuesday, January 31, 2006

primeiras impressões - Os Sofrimentos do Jovem Werther

(...) Hoje fui lá afinar o cravo de Lotte, mas não pude fazê-lo porque as crianças não me deixaram por um segundo sequer, pedindo que eu lhes contasse um conto de fadas, e ela mesma pediu que atendesse. Cortei-lhes o pão da merenda, que agora aceitam receber tanto de mim quanto de Lotte; depois contei a mais linda história, a de uma princesa que era servida por mãos encantadas. Aprendo muito com isso e fico admirado da impressão que tudo isso provoca neles. Se invento algum incidente e me esqueço de repeti-lo ao contar a história uma outra vez, eles me advertem de que, antes, contei de outro modo. Assim, sou forçado a manter um ritmo invariável, sem mudar coisa alguma, como se estivesse desfiando um rosário. Isso me convence de que um autor estraga a sua obra revendo-a e corrigindo-a para um segunda edição, pois ela nada ganha quanto ao conteúdo poético. A primeira impressão nos encontra em estado passivo, a tal ponto que o homem pode aceitar as coisas mais inverossímeis; e, como se fixam fortemente no espírito, ai de quem quiser depois arrancá-las ou destruí-las.

Wednesday, January 25, 2006

Os sofrimentos do jovem Werther - Goethe

Que calor percorre todo o meu ser quando por acaso meu dedo toca no dela, ou nossos pés se encontram embaixo da mesa! Afasta-os como se tivesse tocado o fogo, e uma força secreta impulsiona-me de novo... uma vertigem arrebata todos os meus sentidos!... E dizer que sua alma cândida desconhece a tortura que me infligem essas pequenas intimidades! E quando, animados pela conversa, ela pousa sua mão sobre a minha, e quando, ao conversar, ela se aproxima tanto de mim que eu chego a experimentar seu hálito celestial junto dos meus lábios... então, parece que vou cair como que fulminado por um raio...

Saturday, January 21, 2006

amar - Memórias do Subsolo - Dostoiévski

Durante toda a vida, eu não podia sequer conceber em meu íntimo outro amor, e cheguei a tal ponto que, agora, chego a pensar por vezes que o amor consiste justamente no direito que o objeto amado voluntariamente nos concede de exercer tirania sobre ele. Mesmo nos meus devaneios subterrâneos, nunca pude conceber o amor senão como uma luta: começava sempre pelo ódio e terminava pela subjugação moral; depois não podia sequer imaginar o que fazer com o objeto subjugado.

Tuesday, January 17, 2006

Dostoievski - Memórias do Subsolo - Notes from Underground

Sou um homem doente... Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina. (...) Mas apesar de tudo, não me trato por uma questão de raiva. Se me dói o fígado, que doa ainda mais.


I am a sick man, I am a spiteful man. I am not a pleasant man at all. I believe there is something wrong with my liver. However I don't know the first thing about my liver, neither do I know what's really wrong with me. I'm not under a doctor, never have been, though it is not as if I didn't respect medicine and doctors (. . .). As a matter of fact, I refuse medical treatment out of spite (. . .). I realise full well that I can't upset the medics by refusing to receive treatment; I realise better than anyone else that this way I'm harming myself and no one else (. . .). So my liver hurts, well all right, let it hurt, let it hurt all the more.