Friday, September 21, 2007

Diário ao acaso

Todos os dias a Matéria me maltrata. A minha sensibilidade é uma chama ao vento.

(...)

Ó grandes montes ao crepúsculo, ruas quase estreitas ao luar, ter a vossa inconsciência de, a vossa espiritualidade de Matéria apenas, sem interior, sem sensibilidade, sem onde pôr sentimentos, nem pensamentos, nem desassossegos de espírito! Árvores tão apenas árvores, com uma verdura tão agradável aos olhos, tão exterior aos meus cuidados e às minhas penas, tão consoladora para as minhas angústias porque não tendes olhos com que as fitardes nem alma que, fitável por esses olhos, possa não as compreender e troçá-las! Pedras do caminho, troncos decepados, mera terra anônima do chão de toda a parte, minha irmã porque a vossa insensibilidade à minha alma é um carinho e um repouso... (...)

(Diário ao acaso, O Livro do Desassossego, Fernando Pessoa)

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